segunda-feira, 21 de maio de 2007

Beijo cego

Apesar do título do blog, também publicarei aqui contos, crônicas e o que mais der na telha. Aí vai um conto que, assim como o desenho do macaco, também foi feito quando eu ainda morava em VR:

Embora tivesse boas vistas, Natália sentia o mundo muito mais pelo tato. Aquela mulher, por exemplo, que via recolhendo algas na beira da praia. Por quê ela fazia aquilo? Mas se pudesse tocar as algas, ela saberia o motivo.
Era como se seus sensores nervosos da pele a conectasse diretamente com a vida, dando-lhe todas as respostas necessárias e um prazer imensurável.
Seus dedos eram seus verdadeiros olhos. Ao deslizá-los sobre uma superfície epitelial, podia sentir cada célula, cada pêlo, nervuras, o relevo de uma pinta...
As fotografias, que são o encanto de todos, nada significavam para ela, já que exigiam muito mais da visão.
Às apalpadelas, seus dedos tiravam das coisas o sabor que as papilas gustativas experimentam ao ter contato com um sorvete.
O contorno de tudo só existia quando tocado, pois quando olhado não passava de neblina e fumaça.
Natália adorava a abóbada celeste quando escura, mas não podia tocá-la. Por isso deu um beijo cego na noite, aspirando as estrelas, que, ao paladar, se assemelhavam a carambolas fatiadas emitindo luz.
Assim, passou a exercitar também a gustação.

Um comentário:

Táia disse...

A Amelie Poulain gostava de enfiar a mão em sacos de cereais na feiraaa
:D